sexta-feira, 29 de abril de 2022

Elon Musk, o Twitter e a censura na Internet


A compra do Twitter por Elon Musk e suas declarações sobre liberdade de expressão reacenderam o debate sobre moderação de conteúdo e censura na Internet.

A compra do Twitter por Elon Musk

A menos que você tenha passado os últimos tempos náufrago numa ilha deserta, você já sabe que o empresário criador da Tesla e a SpaceX - Elon Musk - está tentando comprar a rede social Twitter. A oferta é comprar 100% das ações por um total de US$ 44 bilhões e a tornar o Twitter uma empresa de capital fechado, de um só proprietário: ele, Musk. A transação ainda não está completamente concretizada, mas parece caminhar para isso, no momento que escrevemos este post.

O fechamento do capital daria liberdade a Musk para fazer alterações na empresa que não poderia se fosse apenas um dos acionistas, mesmo que majoritário. Não se sabe exatamente o que ele pretende fazer, mas a primeira declaração que ele fez a respeito foi:

"Free speech is the bedrock of a functioning democracy, and Twitter is the digital town square where matters vital to the future og humanity are debated. I also want to make Twitter better than ever by enhancing the product with new features..." 
(A liberdade de expressão é a base de uma democracia em funcionamento, e o Twitter é a praça da cidade digital onde são debatidos assuntos vitais para o futuro da humanidade. Também quero tornar o Twitter melhor do que nunca, aprimorando o produto com novos recursos...)

A grande mídia e comentaristas na Internet tem debatido intensamente possíveis significados da declaração, porque no passado Musk já havia criticado algumas atuações de filtragem e moderação de conteúdo das redes sociais.

Liberdade de expressão

Todas as sociedades exercem alguns tipos de controle sobre a informação que pode, ou não, ser veiculada publicamente. Nas mais liberais democracias, nos EUA ou na Europa, liberdade de expressão não significa poder dizer publicamente qualquer coisa, de qualquer jeito, em qualquer ocasião.

Liberdade de expressão, como qualquer direito ou liberdade é regulada por costumes, leis e jurisprudências. Numa democracia eu tenho o direito de ir e vir, mas se eu passar com o meu carro no farol vermelho a polícia pode me parar. É uma ditadura? Estão violando o meu sagrado direito de ir e vir? Não.

O mesmo raciocínio se aplica à liberdade de expressão. Ela tem que se enquadrar na "moldura" cultural, moral e legal de cada sociedade e, em última instância, ao bom senso de não provocar um mal maior. 

Em 1919, o juiz da suprema corte americana Oliver Holmes famosamente disse em uma decisão: 

"The most stringent protection of free speech would not protect a man falsely shouting fire in a theatre and causing a panic..." (A proteção mais rigorosa da liberdade de expressão não protegeria um homem gritando falsamente fogo em um teatro e causando pânico...).

A Internet complicou a questão da liberdade de expressão

Embora todas as nações concordem que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e que leis de seu controle existam há bastante tempo, é muito difícil sua interpretação e implementação prática no mundo da Internet. 

Se o Willian Bonner falar uma mentira no Jornal Nacional é uma violação óbvia da liberdade de expressão. Ele pode e provavelmente vai ser cobrado publicamente e judicialmente por isso. Se você prezada leitora ou prezado leitor contar uma mentira para seu vizinho, provavelmente isso não terá consequências e, fora casos extremos, não vai haver um processo judicial.

Faz sentido. O Jornal Nacional e outros veículos da grande mídia tem que ter um compromisso sério com a verdade, ou pelo menos com a versão corrente e mais aceita de uma informação, porque podem provocar sérios danos se errarem. O que dizem vai para muitas pessoas. Podem, por exemplo, destruir indevidamente uma reputação. 

É por isso que todo veículo de notícias da grande mídia tem que ter nome, endereço e jornalista responsável oficialmente registrados e divulgados. O jornalista responsável que aparece nos créditos apresentado ao final jornal de TV, ou na primeira página do jornal papel, é a pessoa que vai ser processada, se o veículo de comunicação errar.

Antes da Internet, a informação transmitida pessoalmente, por exemplo de um amigo para outro, se fosse imprecisa, mal verificada ou intencionalmente enganosa, geralmente não tinha grandes consequências. Quando muito prejudicava a amizade ou a imagem com o amigo, se ele descobrisse a verdade. Então, a lei só se preocupava em intervir em alguns poucos casos específicos.

Mas agora com a Internet, o que acontece se você prezada leitora, ou você prezado leitor, passar essa mesma informação imprecisa, mal verificada ou intencionalmente enganosa - essa fake news - para um grupo de 100 pessoas no WhatsApp? Ou publicar no Instagram onde você tem 10.000 seguidores? Ou se você for um influenciador digital, passar essa fake news para 1 milhão de seguidores do seu canal no Youtube? 

A Internet borrou a linha que dividia a informação ou opinião trocada numa conversa informal entre amigos, que geralmente não tem consequências graves, da informação ou opinião divulgada publicamente por uma TV, rádio ou editora de revistas e jornais, que pode causar danos sérios. Hoje há bilhões de estações de TV, rádios e editoras de revistas e jornais. Qualquer pessoa que tenha um celular.

A redes sociais interferem na liberdade de expressão

O que as redes sociais já vem fazendo há algum tempo para tentar minimizar o problema de conteúdos que possam ser lesivos a pessoas, grupos, ou à sociedade, é restringir a publicação ou o acesso a conteúdos que a rede social julgue problemáticos.

E quando falamos "conteúdo problemático", não é só fake news - notícias mentirosas - que precisam ser consideradas. Como tratar, por exemplo, recrutamento para grupos terroristas? Incentivo de adolescentes à anorexia ou automutilação? Pregação à desobediência civil, guerra ou golpe de estado? Receitas para fabricação de explosivos ou venenos? Incitação à violência contra indivíduos ou grupos? Divulgação de segredos ou informações confidenciais de pessoas, empresas ou governos? 

Esses são só alguns exemplos. A lista vai muito mais longe.

Para alguns conteúdos e alguns jeitos com que são divulgados, é possível transpor para a Internet leis e mecanismos de controle que já existem no mundo fora da Internet - no mundo off line. Mas, infelizmente, para muitos é muito difícil ou impossível. 

Na prática, para tentar minimizar a questão dos conteúdos problemáticos, ou pelo menos minimizar as críticas que recebem por publicá-los, cada rede social, da telha de seus donos e programadores, cria suas regras e mecanismos de controle para restringir acesso ou publicação de conteúdos.  

Dependendo da análise da rede social a respeito de cada conteúdo, ou criador de conteúdo, essa restrição pode variar desde apenas uma mensagem de aviso junto ao conteúdo, até medidas mais duras como bloqueio ou deleção de conteúdos ou, em casos mais severos ou reincidentes, o banimento daquele criador de conteúdo daquela rede social.

Isso é feito em princípio por algoritmos - regras automatizadas - mas podem eventualmente acontecer intervenções manuais. Para orientar os usuários e criadores de conteúdo, todas as redes sociais tem termos e políticas de uso públicas que, diga-se de passagem, estão listadas junto daquele botão "eu aceito" que todos tem que clicar se quiserem se juntar àquela rede social.

A restrição de conteúdos feita pelas redes sociais tem sido muito polêmica. Há reclamações de todos os lados. Alguns acham que as redes sociais restringem demais, outros de menos e outros ainda, que não restringem as coisas certas. Também há acusações de que haveria vieses ideológicos na ação das redes.

Por que é polêmica a moderação de conteúdo das redes sociais

Mas, se as redes sociais estão tentando restringir o acesso a conteúdos danosos, perigosos ou criminosos, porque é polêmica a restrição parcial ou total de alguns conteúdos, ou criadores de conteúdo? Por que muitas pessoas acusam as redes sociais de censura?

O que este humilde escriba observa é que, de maneira geral, o que cada pessoa acredita, concorda, ou gosta, ela quer que seja dito aos quatro ventos. O que cada pessoa não acredita, discorda, ou não gosta, ela quer que seja calado.

Assim, quando um determinado conteúdo é restringido pela rede social, pode parecer censura autoritária para mim e pode parecer moderação sensata para você. Ou vice-versa. Já um outro determinado conteúdo que a rede social deixe passar, pode parecer abusivo, danoso ou perigoso para mim e simples exercício da liberdade para você. Ou vice-versa.

Para jogar lenha nessa fogueira, hoje em dia, as opiniões sobre quase tudo estão muito intensas e polarizadas. Com qualquer controle (ou nenhum controle) de conteúdo que as redes sociais façam, vai haver polêmica.

O que Musk vai ou não vai fazer

Como não há um consenso na sociedade sobre os limites da liberdade de expressão na Internet, qualquer coisa que Musk mude no Twitter, ou não mude, quanto ao controle de conteúdo, ele vai receber uma enxurrada de críticas estridentes de todos os lados. Ele nem tomou posse da empresa, a negociação ainda está rolando, mas a grande mídia e a Internet já estão cheia de críticas de todos os tipos.

Porém, o homem mais rico do mundo não chegou nessa posição sendo bobo ou inocente. Ele sabe perfeitamente o vespeiro em que meteu a mão. Vai ser interessante assistir seus próximos movimentos, a inevitável gritaria contrária e as reações das outras redes sociais e grandes empresas da Internet. Guerra no Olimpo pode ser divertida para nós, humildes mortais...

Conclusão

Na opinião deste que vos escreve, alguma regulamentação da liberdade de expressão e respectiva moderação de conteúdo é necessária na Internet, assim como é necessária fora da Internet. A Internet não pode ser um espaço onde vale tudo, pode tudo, porque nenhum aspecto da vida na sociedade civilizada é um vale tudo, pode tudo.

Porém, dado o crescimento da importância da Internet, o papel que tem na formação da opinião pública e até nos destinos das sociedades e dos países, acredito que as decisões, sobre as regras da moderação de conteúdo na Internet, não deveriam ser deixadas só na mão dos proprietários das redes sociais e de outras grandes empresas digitais.

Acredito que devam ser submetidas a um controle mais próximo das instituições democráticas as decisões sobre tudo que interfere profundamente na sociedade.  Na democracia representativa as instituições representam e operam o consenso da sociedade, independentemente da minha opinião pessoal, da sua, ou da opinião do dono da empresa da Internet.

Na minha visão, uma possibilidade para o balizamento da liberdade de expressão na Internet seria a criação de agências reguladoras da Internet, em moldes similares à FDA americana ou à Anvisa brasileira, reguladoras de muitos aspectos da saúde pública. 

Essas hipotéticas agências reguladoras da Internet poderiam, entre outras coisas, estabelecer um arcabouço técnico e jurídico para o regramento da liberdade de expressão na Internet, com normas claras e aceitas pela sociedade.

O caminho para que isso aconteça não é fácil, nem óbvio. A tecnologia anda rápido, as instituições devagar e muitos mecanismos da democracia foram concebidos para um mundo muito mais arcaico. Mas um problema ser difícil não quer dizer que não deva ser enfrentado.

Gostou deste post? Compartilhe com os botões abaixo! Obrigado!