segunda-feira, 15 de agosto de 2022

3 problemas OCULTOS do trabalho remoto


Você deve estar cansado de ler as mesmas listas dos problemas do trabalho remoto:  burn out, insegurança dos dados, sensação de isolamento, etc. Porém, há outros problemas menos óbvios e graves no trabalho remoto, com os quais você deveria se preocupar.

Introdução: O mundo não vai voltar a 2019

Embora tenha sido involuntária a gigantesca mudança para o trabalho remoto, provocada pela pandemia, depois de um pouco de aprendizado e ajustes a maioria das empresas gostou da economia de custos e a maioria dos empregados gostou de se livrar do deslocamento diário. Também ajuda a flexibilidade e descontração de trabalhar em casa.

Claro, muitos executivos e donos de empresa se sentem inseguros com a nova situação. Antes, quando um funcionário enrolava, pelo menos enrolava com o chefe olhando... mas, apesar deste desconforto, parece a este que lhes escreve que é impossível uma volta total ao trabalho presencial, nos moldes que as coisas eram em 2019.

Várias empresas que temos contato já devolveram definitivamente os grandes espaços de escritório que ocupavam e alugaram espaços muito menores, para trabalho híbrido, reuniões, ou eventual recepção a clientes. Essa pressão econômica, mais o conforto que a maioria dos empregados de escritório está sentindo, é muito forte para ser superada por outras considerações.

Então, goste ou não goste, prezada leitora, prezado leitor, vocês deveriam se preparar para enfrentar os problemas que apontaremos a seguir. O trabalho totalmente presencial não vai voltar.

problema 1

O trabalho remoto é ruim para formação de novos funcionários

Cultivar uma cultura da empresa e um espírito de time já é difícil com todo mundo junto, todos os dias se vendo, conversando, almoçando junto, etc. Quando o contato de um novo funcionário com a empresa é só um monte de carinhas 3x4 numa tela do Teams, fica impossível.

Da experiência deste que vos escreve, tenho certeza que toda vez que comecei em um novo emprego aprendi mais sobre a nova empresa no corredor e na copinha do café, do que em algum manual de "missão, visão e valores". 

Também aprendi muito passando tempo informal e desestruturado - papos, almoços e happy hours - com mentores e profissionais mais experientes. Com isso, também estabeleci relações de confiança mútua que foram fundamentais naqueles momentos e ao longo da minha carreira, algumas até hoje. 

Um funcionário que já tinha anos de trabalho presencial na empresa, quando mudou para home office levou consigo um networking valiosíssimo de contatos, bem como conhecimento da (e pertencimento à) cultura e modus operandi da empresa. Um funcionário novo, que já começou remoto, não tem como construir essa vivência a partir de teleconferências, chats e e-mails.

problema 2

O trabalho remoto é ruim para a solução de problemas novos e/ou complexos

Um estudo publicado na revista Nature, realizado por pesquisadores da Universidade de Berkley e da Microsoft, sobre 61.000 funcionários da Microsoft em trabalho remoto, analisou a comunicação entre eles, comparando com o antigo presencial.

O estudo é longo e denso (com paciência você pode ler mais nesse link) mas dele, o que cabe destacar aqui são duas constatações: a) o trabalho remoto aumentou a comunicação dentro de grupos de trabalho e diminuiu entre grupos diferentes da empresa e b) a comunicação assíncrona (e-mails, mensagens de texto) cresceu e a síncrona diminuiu (telefone, reunião presencial e vídeo conferência).

Apertando a tecla SAP: no trabalho remoto a informação fica mais compartimentada em grupos de trabalho e a resposta a qualquer questionamento, dentro ou fora de grupos, acontece mais devagar.

A prezada leitora e o prezado leitor mais jovens (que adoram conversar por texto), ou mais alheios à difícil arte de resolver problemas no ambiente corporativo, podem ter pensado agora: "tá, no trabalho remoto os caras de um departamento conversam menos com os de outros departamentos e ninguém na empresa responde nada na hora. Isso não atrapalha tanto assim..." 

Por favor permita-me, com todo o respeito, divergir. A maioria dos problemas complexos precisa de pelo menos inputs de diferentes setores. Some aí uma inescapável característica da natureza humana: nada é mais eficaz para fazer andar do que aquela cobrada cara a cara, quando o interlocutor não pode fugir de dar uma resposta imediata.

problema 3

O trabalho remoto é ruim para a geração de ideias inovadoras

Antes do cometa bater na Terra em 2019 e mudar as coisas para sempre, já existia há muito tempo uma extensa experiência de colaboração intelectual remota: a pesquisa científica feita por universidades e centros de pesquisa. 

Há séculos, desde o Renascimento, cientistas trocam cartas, se questionam e se ajudam. Mais modernamente, trabalham em diferentes universidades e institutos ao redor do mundo, em formas bem  estruturadas de colaboração remota.

O CEPR - Centre for Economic Policy Research, uma ONG dedicada à melhora de políticas públicas na Europa, realizou um estudo dessas colaborações científicas nas últimas décadas (realizadas entre 1961 e 2021). O que cabe destacar aqui dessa pesquisa, é que ela descobriu que a colaboração remota gerou 5 vezes menos avanços realmente inovadores - rupturas no conhecimento - do que as colaborações de times trabalhando presencialmente. 

Essa discrepância vem se revertendo de 2010 em diante, o que leva a crer que novas tecnologias de colaboração remota tem ajudado, em especial softwares especificamente desenhados para isso como o Slack. Também sugere que um aprendizado de décadas de como colaborar via Internet que os cientistas tem, mais o desenvolvimento de novos processos possam substituir, pelo menos parcialmente, a "mágica" de colaborar com outras pessoas presencialmente. Mas não é fácil.

Mas o trabalho híbrido não resolve estes problemas do remoto?

Se tentarmos encontrar um denominador comum nas causas dos problemas que apresentamos, o mais gritante é que o trabalho remoto diminuiu e, em alguns casos, quase zerou o contato pessoal, o interdisciplinar, o casual e o desestruturado (não planejados e sem pauta). 

O trabalho híbrido repõe alguma coisa, mas não resolve o problema, porque a ida ao escritório, quando acontece, é segmentada (não vai a empresa inteira trabalhar presencial no mesmo dia) e geralmente quem vai, vai com programação e pauta, para aproveitar o tempo menor de contato. 

Além disso, como as pessoas em regime de trabalho híbrido ainda passam a maior parte do tempo remotas, o grosso da solução de problemas da empresa acontece remotamente.

Assim, a este que lhes escreve, parece que só a mudança de trabalho remoto para híbrido, sem outras mudanças, é um paliativo que diminui um pouco a ansiedade do isolamento social e melhora um pouco a comunicação e a confiança dentro de grupos de trabalho. 

Mas só a mudança de remoto para híbrido não resolve os problemas mais estruturais que estamos discutindo aqui.

Conclusão

O trabalho remoto introduziu problemas que não vemos serem discutidos com frequência: o trabalho remoto é ruim para novos funcionários, é ruim para enfrentar novos problemas e é ruim para gerar ideias inovadoras. Em menos palavras: o trabalho remoto atrapalha a renovação da empresa.

Se a modernidade fosse mais estática, prezada leitora, prezado leitor, você não precisaria se preocupar. Com a mesma equipe e os mesmos métodos, você continuaria resolvendo os mesmos problemas. Só que agora, com a turma trabalhando de casa. Quando muito, alguma preocupaçãozinha operacional para T.I. e R.H. resolverem para a equipe remota.

Acontece que o mundo, as tecnologias, os mercados e, é claro, seus concorrentes, estão em mudança cada vez mais acelerada. Renovação contínua tem que ser o ar que sua empresa respira, para permanecer competitiva. E o trabalho remoto atrapalha a renovação de equipes, soluções e ideias.

Não há nenhum saudosismo do escritório tradicional nessa constatação, nem a expectativa inviável de enfiar o gênio de volta para dentro da lâmpada. Este que lhes escreve é um otimista na capacidade da humanidade resolver as encrencas em que ela mesmo se mete. 

Tenho certeza que, ao longo do tempo, vamos encontrar as tecnologias e metodologias para levarmos a produtividade, inovação e satisfação nos novos modelos de trabalho a patamares melhores que os históricos. Mas, para tanto, é preciso focar atenção nos problemas, especialmente os "ocultos" - menos óbvios - como os que citamos aqui.

Gostou deste post? Compartilhe com os botões abaixo! Obrigado!